AS CRISES DO GOVERNO BOLSONARO E OS TRABALHADORES
O
governo Bolsonaro atingiu seus primeiros 100 dias em meio a uma
sucessão interminável de crises, cujo resultado principal tem sido
dissipar qualquer expectativa do "Mito" assumir o esperado
papel de árbitro nos confrontos na trama heterogênea de interesses
econômicos e políticos que o levaram a Brasília. A inépcia
pessoal de Bolsonaro, no contexto de uma crise nacional de alcances
históricos, pôs em questão a viabilidade do projeto bonapartista,
abrindo uma deliberação no seio da burguesia e do próprio governo.
Os confrontos da famiglia
Bolsonaro com Rodrigo Maia foram a expressão condensada de
diferenças profundas sobre a natureza do regime político iniciado
em janeiro, que por sua vez confirmam a desorientação (e
fragmentação) da classe dominante brasileira sobre o rumo a seguir
no quadro da crise mundial.
Na
última semana de marco, o acordo entre Maia e Paulo Guedes para
assumir a articulação política da reforma da previdência
"afastando" Bolsonaro do assunto, marcou uma nova fase na
crise brasileira. O sinal mais claro foi o anúncio de Guedes, em sua
primeira audiência perante o Senado, de que poderia deixar o cargo
se a tramitação da reforma continua a ser torpedeada desde ambos os
lados da própria coalizão do governo. A resposta do capital
financeiro foi delineada imediatamente, com quedas violentas da Bolsa
de Valores. A mensagem foi explícita: se o método de governo
continua sendo o confronto permanente, a fuga de capitais está à
volta da esquina - o que de acontecer resultaria em uma crise de
governo incontornável.
Os
porta-vozes da burguesia nacional e internacional já assumem como
uma das opções possíveis a de Bolsonaro seguir o caminho de seus
antecessores e ser removido do seu mandato prematuramente. The
Economist
e
o
Financial Times se
fazem de
"surpresos"
de que a barbárie bolsonarista venha acompanhada por uma burrice
monumental, e especulam sobre cenários alternativos para assegurar a
continuidade do programa antioperário. A burguesia paulista, por sua
vez, aplaudiu de pé na sede FIESP o Hamilton Mourão, ungindo-o como
seu substituto oficial, caso necessário, numa "dilmização"
precoce de Bolsonaro.
A
deterioração acelerada da "revolução ultradireitista"
acendeu os alarmes na Faria Lima, não apenas por causa do impacto da
incompetência política do “capitão” nos negócios. A queda do
apoio popular ao governo em apenas três meses é sem precedentes,
especialmente entre os setores da classe trabalhadora mais afetados
pela crise econômica crônica. A rejeição popular maciça da
reforma da previdência está ciosamente escondida pela mídia
“democrática”, mas não ignorada pelo Congresso, que reclama a
Bolsonaro assumir o custo político. O "plano econômico"
do Posto Ipiranga se reduz a tentar aprovar a reforma da previdência
para garantir o pagamento dos sacrossantos juros da dívida (57
bilhões de reais apenas nos dois primeiros meses do ano) e, se
possível, implementar de contrabando um sistema de capitalização
para que as famílias trabalhadoras financiem a farra financeira.
A
propaganda oficial de que a aprovação da reforma garantiria um boom
econômico com aumento de renda e emprego é uma completa falácia. A
crise mundial e a guerra comercial negam qualquer perspectiva de
recuperação que atenda às demandas básicas imediatas da população
trabalhadora brasileira. O futuro de um Brasil "ultraliberal"
pode se ver no espelho da Argentina de Macri, que chega ao final de
seu mandato em meio a uma profunda crise social, uma total
desorganização económica e financeira, e uma completa debandada
política, nas vésperas da eleição presidencial de outubro. Crise
que, de passagem, tem efeitos diretos sobre as exportações
brasileiras e setores-chave da indústria, especialmente o setor
automotivo, que clama por mais subsídios, colocando pressão sobre o
Guedes e sua equipe de brokers.
Nenhum novo canto da sereia "ortodoxo" vai encobrir uma
realidade de 13 milhões de desempregados e um número recorde de 25
milhões de "subutilizados" (os que nem sequer conseguem
procurar emprego) no Brasil.
Filho
torto dos impactos da crise global, o governo Bolsonaro está preso
entre a questão venezuelana e o desastre argentino, que aceleram os
tempos e deixaram nus seus recursos políticos limitados. Limitação
diretamente proporcional ao número de generais
no ministério do "capitão". Neste contexto, a visita de
Bolsonaro aos Estados Unidos destacou a verdadeira fundação do
núcleo duro do bolsonarismo. À primeira
vista, a viagem pareceu dominada pela ascendência do especialista
em idiotice Olavo de Carvalho e seus amigos supremacistas (Steve
Bannon), mas o fator decisivo foi a (ilegal) visita do Bolsonaro à
CIA. Se o olavismo brinca de ser um bando de provocadores malucos, é
o complemento grotesco a uma intervenção direta dos serviços de
inteligência americanos no Estado brasileiro, a começar pelo chefe
do Executivo.
Para
o imperialismo, se Bolsonaro lhe garante fidelidade do cão, sua
incapacidade política representa perigos que devem ser ponderados.
Na Câmara, líderes partidários pediram a Rodrigo Maia pediram para
não pautar o acordo sobre a base de Alcântara para evitar que ele
fosse usado como um instrumento para operações militares dos EUA
contra a Venezuela. O temor é que Bolsonaro aproveite uma
intervenção militar no país vizinho para fechar o Congresso e
suspender as garantias constitucionais. As provocações em torno do
aniversário do golpe de 1964 podem indicar que essa especulação é
menos implausível do que parece. Por outra parte, as trapalhadas de
operação Guaidó na Venezuela forçou os militares brasileiros a
elaborar sua própria estratégia, formulada por Mourão, com base em
um diálogo nunca interrompido (a contragosto dos americanos) com os
militares chavistas. Uma saída de Maduro negociada entre os milicos
brasileiros e venezuelanos está no horizonte como plano B, o que
poderia deixar Bolsonaro em situação de impedimento. O apoio de
Trump para essa alternativa não deve ser descartado. No xadrez de
Brasília, essa via poderia atingir a facção Guedes, que vem
sofrendo choques abafados com o núcleo militar. Com sua rejeição
ao plano de privatizações de "um trilhão", as forças
armadas são outro fator que bloqueia o passo da cruzada econômica
dos "Chicago Boys".
O
fato de que o governo e seus aliados (declarados ou dissimulados) no
Congresso possam se dar ao luxo de brincar de gato e rato (com foco
especial sobre a questão da previdência), também se explica pela
incapacidade do nacionalismo burguês, com o PT à frente, de lhes
apresentar batalha. O lulismo não pode esconder que governou por uma
década e meia pagando a dívida ilegítima e usurária, com
superávits fiscais recordes. Carece, portanto, de autoridade
política perante as massas como um veículo convincente para
enfrentar essa fraude, porque está envolvida com ela por razões
históricas e programáticas. A confusão dominante pode sobreviver
sob a condição de que as massas possam ser contidas dentro do
quadro limitado em que as direções burocráticas procuram
mantê-las. O fato de que as centrais, a começar pela CUT, adia por
todos os meios a mobilização, não tem nada a ver com um cálculo
de relações de força ou tempos políticos, mas é o produto da
estratégia de conciliação de classes. A 22 de março, quando
milhares de pessoas se mobilizaram contra a previdência nas grandes
cidades, ficou demonstrada a disposição dos trabalhadores para
enfrentar os ataques. Episódios como o desafio lançado pelos
estudantes do Mackenzie em São Paulo, que forçaram Bolsonaro a
cancelar uma visita, mostram o potencial político da reação
popular. As mobilizações no domingo 31 de março contra a ditadura,
assim como tinha ocorrido durante o Carnaval, também indicam uma
tendência para a mobilização e o germe de um salto na consciência
política dos setores mais ativos das massas.
Na
contramão desses sinais, na reunião que era para discutir um plano
de luta, no dia 26, as centrais decidiram lançar num
“abaixo-assinado” nacional, uma “ação unificada” no
aeroporto de Brasília “para pressionar os parlamentares”, e o
“apoio” a uma greve nacional “provável” dos trabalhadores da
educação em 26 de abril. Como no golpe de 2016, nas lutas contra a
reforma trabalhista e contra o governo Temer, está em evidência uma
política que reduz o movimento operário um fator de pressão e o
subordina a negociações das burocracias políticas e sindicais no
quadro "institucional", no Congresso e no Judiciário. A
gigantesca greve geral de 28 de abril de 2017 foi entregue pela CUT,
quando todas as condições estavam reunidas para dar uma luta
decisiva, em função de uma aposta eleitoreira que pavimentou a
chegada da reação bolsonarista ao poder. Enfrentar o atual estágio
político sem tirar as conclusões dessa experiência é
politicamente suicida.
Essa
estratégia furada que desmoraliza os explorados e restringe sua
iniciativa é desafiada pela situação política. À medida que mais
e mais trabalhadores percebem a magnitude do retrocesso representado
por esse governo, mais evidente é o papel de contenção de política
lulista. O balanço do ciclo petista não envolve apenas uma tarefa
teórico-crítica; deve se traduzir em um processo de mobilização
política que o supere na prática. A luta dos trabalhadores contra a
reforma da previdência, contra o desemprego, contra a perda de
direitos, contra a repressão, a luta das mulheres, da juventude,
pelas liberdades democráticas, devem convergir num polo que rompa a
contenção do nacionalismo burguês e a conciliação de classes e
abra passo para a construção de uma alternativa histórica baseada
na mobilização e desenvolvimento político dos explorados. A
palavra de ordem é a organização da greve geral através da
criação de coordenações e iniciativas independentes em direção
a um congresso nacional de bases do movimento operário que discuta
um programa próprio, operário e socialista, de saída para
o Brasil.
Evandro
Maia
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