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AS CRISES DO GOVERNO BOLSONARO E OS TRABALHADORES | BC N.1 Abril 2019

AS CRISES DO GOVERNO BOLSONARO E OS TRABALHADORES 
O governo Bolsonaro atingiu seus primeiros 100 dias em meio a uma sucessão interminável de crises, cujo resultado principal tem sido dissipar qualquer expectativa do "Mito" assumir o esperado papel de árbitro nos confrontos na trama heterogênea de interesses econômicos e políticos que o levaram a Brasília. A inépcia pessoal de Bolsonaro, no contexto de uma crise nacional de alcances históricos, pôs em questão a viabilidade do projeto bonapartista, abrindo uma deliberação no seio da burguesia e do próprio governo. Os confrontos da famiglia Bolsonaro com Rodrigo Maia foram a expressão condensada de diferenças profundas sobre a natureza do regime político iniciado em janeiro, que por sua vez confirmam a desorientação (e fragmentação) da classe dominante brasileira sobre o rumo a seguir no quadro da crise mundial.

Na última semana de marco, o acordo entre Maia e Paulo Guedes para assumir a articulação política da reforma da previdência "afastando" Bolsonaro do assunto, marcou uma nova fase na crise brasileira. O sinal mais claro foi o anúncio de Guedes, em sua primeira audiência perante o Senado, de que poderia deixar o cargo se a tramitação da reforma continua a ser torpedeada desde ambos os lados da própria coalizão do governo. A resposta do capital financeiro foi delineada imediatamente, com quedas violentas da Bolsa de Valores. A mensagem foi explícita: se o método de governo continua sendo o confronto permanente, a fuga de capitais está à volta da esquina - o que de acontecer resultaria em uma crise de governo incontornável.

Os porta-vozes da burguesia nacional e internacional já assumem como uma das opções possíveis a de Bolsonaro seguir o caminho de seus antecessores e ser removido do seu mandato prematuramente. The Economist e o Financial Times se fazem de "surpresos" de que a barbárie bolsonarista venha acompanhada por uma burrice monumental, e especulam sobre cenários alternativos para assegurar a continuidade do programa antioperário. A burguesia paulista, por sua vez, aplaudiu de pé na sede FIESP o Hamilton Mourão, ungindo-o como seu substituto oficial, caso necessário, numa "dilmização" precoce de Bolsonaro.

A deterioração acelerada da "revolução ultradireitista" acendeu os alarmes na Faria Lima, não apenas por causa do impacto da incompetência política do “capitão” nos negócios. A queda do apoio popular ao governo em apenas três meses é sem precedentes, especialmente entre os setores da classe trabalhadora mais afetados pela crise econômica crônica. A rejeição popular maciça da reforma da previdência está ciosamente escondida pela mídia “democrática”, mas não ignorada pelo Congresso, que reclama a Bolsonaro assumir o custo político. O "plano econômico" do Posto Ipiranga se reduz a tentar aprovar a reforma da previdência para garantir o pagamento dos sacrossantos juros da dívida (57 bilhões de reais apenas nos dois primeiros meses do ano) e, se possível, implementar de contrabando um sistema de capitalização para que as famílias trabalhadoras financiem a farra financeira.

A propaganda oficial de que a aprovação da reforma garantiria um boom econômico com aumento de renda e emprego é uma completa falácia. A crise mundial e a guerra comercial negam qualquer perspectiva de recuperação que atenda às demandas básicas imediatas da população trabalhadora brasileira. O futuro de um Brasil "ultraliberal" pode se ver no espelho da Argentina de Macri, que chega ao final de seu mandato em meio a uma profunda crise social, uma total desorganização económica e financeira, e uma completa debandada política, nas vésperas da eleição presidencial de outubro. Crise que, de passagem, tem efeitos diretos sobre as exportações brasileiras e setores-chave da indústria, especialmente o setor automotivo, que clama por mais subsídios, colocando pressão sobre o Guedes e sua equipe de brokers. Nenhum novo canto da sereia "ortodoxo" vai encobrir uma realidade de 13 milhões de desempregados e um número recorde de 25 milhões de "subutilizados" (os que nem sequer conseguem procurar emprego) no Brasil.

Filho torto dos impactos da crise global, o governo Bolsonaro está preso entre a questão venezuelana e o desastre argentino, que aceleram os tempos e deixaram nus seus recursos políticos limitados. Limitação diretamente proporcional ao número de generais no ministério do "capitão". Neste contexto, a visita de Bolsonaro aos Estados Unidos destacou a verdadeira fundação do núcleo duro do bolsonarismo. À primeira vista, a viagem pareceu dominada pela ascendência do especialista em idiotice Olavo de Carvalho e seus amigos supremacistas (Steve Bannon), mas o fator decisivo foi a (ilegal) visita do Bolsonaro à CIA. Se o olavismo brinca de ser um bando de provocadores malucos, é o complemento grotesco a uma intervenção direta dos serviços de inteligência americanos no Estado brasileiro, a começar pelo chefe do Executivo.

Para o imperialismo, se Bolsonaro lhe garante fidelidade do cão, sua incapacidade política representa perigos que devem ser ponderados. Na Câmara, líderes partidários pediram a Rodrigo Maia pediram para não pautar o acordo sobre a base de Alcântara para evitar que ele fosse usado como um instrumento para operações militares dos EUA contra a Venezuela. O temor é que Bolsonaro aproveite uma intervenção militar no país vizinho para fechar o Congresso e suspender as garantias constitucionais. As provocações em torno do aniversário do golpe de 1964 podem indicar que essa especulação é menos implausível do que parece. Por outra parte, as trapalhadas de operação Guaidó na Venezuela forçou os militares brasileiros a elaborar sua própria estratégia, formulada por Mourão, com base em um diálogo nunca interrompido (a contragosto dos americanos) com os militares chavistas. Uma saída de Maduro negociada entre os milicos brasileiros e venezuelanos está no horizonte como plano B, o que poderia deixar Bolsonaro em situação de impedimento. O apoio de Trump para essa alternativa não deve ser descartado. No xadrez de Brasília, essa via poderia atingir a facção Guedes, que vem sofrendo choques abafados com o núcleo militar. Com sua rejeição ao plano de privatizações de "um trilhão", as forças armadas são outro fator que bloqueia o passo da cruzada econômica dos "Chicago Boys".

O fato de que o governo e seus aliados (declarados ou dissimulados) no Congresso possam se dar ao luxo de brincar de gato e rato (com foco especial sobre a questão da previdência), também se explica pela incapacidade do nacionalismo burguês, com o PT à frente, de lhes apresentar batalha. O lulismo não pode esconder que governou por uma década e meia pagando a dívida ilegítima e usurária, com superávits fiscais recordes. Carece, portanto, de autoridade política perante as massas como um veículo convincente para enfrentar essa fraude, porque está envolvida com ela por razões históricas e programáticas. A confusão dominante pode sobreviver sob a condição de que as massas possam ser contidas dentro do quadro limitado em que as direções burocráticas procuram mantê-las. O fato de que as centrais, a começar pela CUT, adia por todos os meios a mobilização, não tem nada a ver com um cálculo de relações de força ou tempos políticos, mas é o produto da estratégia de conciliação de classes. A 22 de março, quando milhares de pessoas se mobilizaram contra a previdência nas grandes cidades, ficou demonstrada a disposição dos trabalhadores para enfrentar os ataques. Episódios como o desafio lançado pelos estudantes do Mackenzie em São Paulo, que forçaram Bolsonaro a cancelar uma visita, mostram o potencial político da reação popular. As mobilizações no domingo 31 de março contra a ditadura, assim como tinha ocorrido durante o Carnaval, também indicam uma tendência para a mobilização e o germe de um salto na consciência política dos setores mais ativos das massas.

Na contramão desses sinais, na reunião que era para discutir um plano de luta, no dia 26, as centrais decidiram lançar num “abaixo-assinado” nacional, uma “ação unificada” no aeroporto de Brasília “para pressionar os parlamentares”, e o “apoio” a uma greve nacional “provável” dos trabalhadores da educação em 26 de abril. Como no golpe de 2016, nas lutas contra a reforma trabalhista e contra o governo Temer, está em evidência uma política que reduz o movimento operário um fator de pressão e o subordina a negociações das burocracias políticas e sindicais no quadro "institucional", no Congresso e no Judiciário. A gigantesca greve geral de 28 de abril de 2017 foi entregue pela CUT, quando todas as condições estavam reunidas para dar uma luta decisiva, em função de uma aposta eleitoreira que pavimentou a chegada da reação bolsonarista ao poder. Enfrentar o atual estágio político sem tirar as conclusões dessa experiência é politicamente suicida.

Essa estratégia furada que desmoraliza os explorados e restringe sua iniciativa é desafiada pela situação política. À medida que mais e mais trabalhadores percebem a magnitude do retrocesso representado por esse governo, mais evidente é o papel de contenção de política lulista. O balanço do ciclo petista não envolve apenas uma tarefa teórico-crítica; deve se traduzir em um processo de mobilização política que o supere na prática. A luta dos trabalhadores contra a reforma da previdência, contra o desemprego, contra a perda de direitos, contra a repressão, a luta das mulheres, da juventude, pelas liberdades democráticas, devem convergir num polo que rompa a contenção do nacionalismo burguês e a conciliação de classes e abra passo para a construção de uma alternativa histórica baseada na mobilização e desenvolvimento político dos explorados. A palavra de ordem é a organização da greve geral através da criação de coordenações e iniciativas independentes em direção a um congresso nacional de bases do movimento operário que discuta um programa próprio, operário e socialista, de saída para o Brasil.
Evandro Maia

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