“BRASIL ACIMA DE TUDO” OU “AMÉRICA PRIMEIRO”?
Durante
o processo eleitoral tivemos um slogan sendo repetido por muitos sem
que se soubesse efetivamente do que se tratava: Brasil acima de tudo.
Em primeiro lugar se tratava da tradução para o português do
slogan usado por Hitler: Alemanha acima de tudo. Esta consigna acabou
levando ao início da Segunda Guerra Mundial onde 40 milhões de
pessoas morreram, onde seis milhões de judeus foram eliminados em
campos de concentração. Em segundo lugar, tínhamos o Deus acima de
tudo (também inspirado no mesmo movimento). A primeira declaração
do governo Bolsonaro foi de que o Brasil não iria priorizar o
Mercosul. A segunda, que a relação com a China deveria ser
questionada na base dos princípios defendidos por Trump. A terceira
é que Brasil deveria ter embaixada em Jerusalém. A quarta foi que
deveria romper relações com Cuba.
Se
aplicadas todas estas propostas teríamos o fim do Mercosul e a perda
das exportações para a Argentina, o que agravaria ainda mais o
quadro econômico daquele país, mas também com séria repercussão
sobre os exportadores brasileiros. Se manifestar a saída dos BRICs e
tensionar com a China perderíamos o maior mercado para as
exportações brasileiras com grave consequência para o agronegócio
do brasil (a principal base de apoio deste futuro governo). Por outro
lado, a mudança para da embaixada para Jerusalém terá como
consequência retaliação dos países árabes de boicote a produtos
brasileiros (novamente o agronegócio fica na berlinda).
O
futuro presidente incorpora o personagem Trump e tenta ser o seu
ventrículo no cenário internacional colocando em risco até mesmo a
forma de inserção internacional do brasil, baseada na
reprimarização, sem que esteja apontado qualquer política
industrial alternativa. Ao contrário o que está posto pelo seu
futuro ministro da fazenda é o aprofundamento da abertura comercial
que poderá ampliar a falência de grande parte das indústrias
brasileiras, repetindo o ocorrido no primeiro governo de FHC. Não
satisfeito com isso temos em andamento o processo de privatização
das estatais brasileiras
como a Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica, etc. Tal fato,
se concretizado, poderá aprofundar ainda mais o processo de
desnacionalização da economia brasileira com serias consequências
sobre o Balanço de pagamento, no seu histórico déficit da conta
serviços.
Enquanto,
o setor produtivo vai sendo ameaçado pela crise já existente e
pelas ações futuras que irá aprofundá-la, o setor financeiro se
preparar para ganhar mais dinheiro caso seja aprovado a reforma da
Previdência, ainda mais severa que a proposta do Temer. Em linhas
gerais, estas declarações seguem o princípio já antes defendido
pelo Vice, de que o Brasil deveria reorientar sua pauta de exportação
saindo dos mulambentos da África e da América do Sul, buscando
mercados mais consistentes. Todavia, o que temos aqui é um
somatório de fundamentalismo religioso e um fundamentalismo
ultraliberal enquanto os direitos fundamentais são atacados
juntamente com as liberdades democráticas.
A
dívida externa e interna não é tão complexa como o caso da
Argentina que se aproxima de uma nova moratória. Todavia, o fato do
Brasil dispor atualmente de um grande volume de reservas cambiais não
impede riscos. Como essas reservas foram obtidas e qual seu impacto
sobre o processo de endividamento público? É preciso sabermos sobre
a trajetória da dívida externa e sua relação com a queda da taxa
de juros do FED, desde 2008 e com os efeitos de uma possível
elevação da taxa de juros nos EUA para 2019. Os empréstimos
tomados pelos bancos passaram dar uma grande contribuição no
endividamento externo, em especial a partir de 2008, quando houve a
queda da taxa de juros do FED para 0,25% ao ano. Em outras palavras,
a dívida externa privada é elevada, o que abre espaço para
ocorrência do ocorrido em 1979 quando as taxas do FED subiram de 5%
para 20% e grande parte daquela dívida privada foi estatizada e
convertida em dívida pública.
As
reservas cambiais mantêm um perfil muito próximo desde a introdução
do Plano Real em 1994, onde 66%
dessas
reservas são as chamadas reservas estéreis ou tem sua origem
principal nem provem de um superávit comercial, nem da conta
serviços, mais de um grande déficit nas transações correntes e da
conta de capitais, em especial da movimentação desta conta no curto
prazo. Neste processo, a elevação da taxa de juros serve para
atrair capital externo servindo também para elevar o endividamento
público. O Banco Central do Brasil possui U$ 380 bilhões em
reservas — que correspondem a
27 meses de importações, 19% do PIB ou 100 vezes a dívida de curto
prazo. Todavia, essas reservas não derivam de um superávit das
transações correntes.
O
risco do aprofundamento das privatizações e desnacionalização da
economia brasileira pode agravar ainda mais o déficit da conta de
serviços. Entretanto, o quadro de endividamento do Estado, na
dimensão
federal,
estadual ou municipal, tende a se agravar com a tentativa de
legalização da securitização de créditos e a introdução de
mecanismos fraudulentos de endividamento. Em resumo, o que temos é o
“Brasil acima de tudo”
transformado em “América primeiro” (slogan de Trump para a
guerra comercial mundial). O Brasil propõe a abertura comercial
enquanto Trump amplia o protecionismo para as empresas americanas que
perderam competitividade para as indústrias chinesas. Em outras
palavras, o “Brasil acima de tudo” funciona como o “América
primeiro”, de Trump. O que sobra para o Brasil é: “banqueiros
acima de tudo”, já que o atual governo tem ainda mais compromisso
com o pagamento da dívida.
José
Menezes Gomes
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