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“BRASIL ACIMA DE TUDO” OU “AMÉRICA PRIMEIRO”? | BC n.1 Abril 2019

“BRASIL ACIMA DE TUDO” OU “AMÉRICA PRIMEIRO”?

Durante o processo eleitoral tivemos um slogan sendo repetido por muitos sem que se soubesse efetivamente do que se tratava: Brasil acima de tudo. Em primeiro lugar se tratava da tradução para o português do slogan usado por Hitler: Alemanha acima de tudo. Esta consigna acabou levando ao início da Segunda Guerra Mundial onde 40 milhões de pessoas morreram, onde seis milhões de judeus foram eliminados em campos de concentração. Em segundo lugar, tínhamos o Deus acima de tudo (também inspirado no mesmo movimento). A primeira declaração do governo Bolsonaro foi de que o Brasil não iria priorizar o Mercosul. A segunda, que a relação com a China deveria ser questionada na base dos princípios defendidos por Trump. A terceira é que Brasil deveria ter embaixada em Jerusalém. A quarta foi que deveria romper relações com Cuba.

Se aplicadas todas estas propostas teríamos o fim do Mercosul e a perda das exportações para a Argentina, o que agravaria ainda mais o quadro econômico daquele país, mas também com séria repercussão sobre os exportadores brasileiros. Se manifestar a saída dos BRICs e tensionar com a China perderíamos o maior mercado para as exportações brasileiras com grave consequência para o agronegócio do brasil (a principal base de apoio deste futuro governo). Por outro lado, a mudança para da embaixada para Jerusalém terá como consequência retaliação dos países árabes de boicote a produtos brasileiros (novamente o agronegócio fica na berlinda).

O futuro presidente incorpora o personagem Trump e tenta ser o seu ventrículo no cenário internacional colocando em risco até mesmo a forma de inserção internacional do brasil, baseada na reprimarização, sem que esteja apontado qualquer política industrial alternativa. Ao contrário o que está posto pelo seu futuro ministro da fazenda é o aprofundamento da abertura comercial que poderá ampliar a falência de grande parte das indústrias brasileiras, repetindo o ocorrido no primeiro governo de FHC. Não satisfeito com isso temos em andamento o processo de privatização das estatais brasileiras como a Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica, etc. Tal fato, se concretizado, poderá aprofundar ainda mais o processo de desnacionalização da economia brasileira com serias consequências sobre o Balanço de pagamento, no seu histórico déficit da conta serviços.

Enquanto, o setor produtivo vai sendo ameaçado pela crise já existente e pelas ações futuras que irá aprofundá-la, o setor financeiro se preparar para ganhar mais dinheiro caso seja aprovado a reforma da Previdência, ainda mais severa que a proposta do Temer. Em linhas gerais, estas declarações seguem o princípio já antes defendido pelo Vice, de que o Brasil deveria reorientar sua pauta de exportação saindo dos mulambentos da África e da América do Sul, buscando mercados mais consistentes. Todavia, o que temos aqui é um somatório de fundamentalismo religioso e um fundamentalismo ultraliberal enquanto os direitos fundamentais são atacados juntamente com as liberdades democráticas.

A dívida externa e interna não é tão complexa como o caso da Argentina que se aproxima de uma nova moratória. Todavia, o fato do Brasil dispor atualmente de um grande volume de reservas cambiais não impede riscos. Como essas reservas foram obtidas e qual seu impacto sobre o processo de endividamento público? É preciso sabermos sobre a trajetória da dívida externa e sua relação com a queda da taxa de juros do FED, desde 2008 e com os efeitos de uma possível elevação da taxa de juros nos EUA para 2019. Os empréstimos tomados pelos bancos passaram dar uma grande contribuição no endividamento externo, em especial a partir de 2008, quando houve a queda da taxa de juros do FED para 0,25% ao ano. Em outras palavras, a dívida externa privada é elevada, o que abre espaço para ocorrência do ocorrido em 1979 quando as taxas do FED subiram de 5% para 20% e grande parte daquela dívida privada foi estatizada e convertida em dívida pública.

As reservas cambiais mantêm um perfil muito próximo desde a introdução do Plano Real em 1994, onde 66%
dessas reservas são as chamadas reservas estéreis ou tem sua origem principal nem provem de um superávit comercial, nem da conta serviços, mais de um grande déficit nas transações correntes e da conta de capitais, em especial da movimentação desta conta no curto prazo. Neste processo, a elevação da taxa de juros serve para atrair capital externo servindo também para elevar o endividamento público. O Banco Central do Brasil possui U$ 380 bilhões em reservas — que correspondem a 27 meses de importações, 19% do PIB ou 100 vezes a dívida de curto prazo. Todavia, essas reservas não derivam de um superávit das transações correntes.

O risco do aprofundamento das privatizações e desnacionalização da economia brasileira pode agravar ainda mais o déficit da conta de serviços. Entretanto, o quadro de endividamento do Estado, na dimensão

federal, estadual ou municipal, tende a se agravar com a tentativa de legalização da securitização de créditos e a introdução de mecanismos fraudulentos de endividamento. Em resumo, o que temos é o “Brasil acima de tudo” transformado em “América primeiro” (slogan de Trump para a guerra comercial mundial). O Brasil propõe a abertura comercial enquanto Trump amplia o protecionismo para as empresas americanas que perderam competitividade para as indústrias chinesas. Em outras palavras, o “Brasil acima de tudo” funciona como o “América primeiro”, de Trump. O que sobra para o Brasil é: “banqueiros acima de tudo”, já que o atual governo tem ainda mais compromisso com o pagamento da dívida.


José Menezes Gomes

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