História: ENTREVISTA COM JOSÉ ALBERTO BANDEIRA RAMOS
Qual
era a orientação política da Frente Nacionalista e que importância
teve a sua inserção em Cruz das Almas?
A
chamada “Frente Nacionalista de Cruz das Almas” surgiu nos anos
de 1957/1958 e teve duração regular até começos de 1964. Com o
golpe militar que derrubou o governo constitucional de João Goulart,
as pessoas que atuavam nela se dispersaram, vindo todas a sofrer
perseguição política implacável. Como movimento popular que era,
tinha um ideário decididamente nacionalista, mas um nacionalismo que
lutava contra a dominação do capital internacional, cuja sede mais
importante era o governo norte-americano. A grande maioria de nossos
companheiros, então residentes em Cruz das Almas, veio a engajar-se
na militância do Partido Comunista Braseiro, o PCB, conhecido
durante vários anos como o “Partidão”.
A
orientação política do Partidão na época, caudatária da visão
etapista da revolução brasileira, servia de inspiração para o
trabalho dos nossos militantes e simpatizantes da Frente
Nacionalista. Era a toada do “caminho pacífico da revolução
brasileira” e não se cogitava sequer da possibilidade de nenhum
golpe armado contra a chamada legalidade democrática, em que pese os
diversos indícios neste sentido. O principal desses sinais ocorreu
em agosto de 1961, com a renúncia de Jânio Quadros à Presidência,
quando os seus ministros militares tentaram à força impedir a posse
de João Goulart.
Onde
você estava e o que fazia no dia 30 de março de 1964? Como ocorreu
a sua prisão e o que aconteceu depois?
Estava
na cidade de Salvador, onde já residia então. Mas hoje percebo,
claramente, que estávamos todos no “mundo da lua”! Ninguém
esperava pelo golpe de Estado que se abateu sobre a nação como um
raio. Consequência: as pessoas, salvo exceções raras, se viram
esbaforidas, em forte correria, para escapar da caçada humana que se
implantou e se intensificou pelo país afora. Fui preso por acaso, na
cidade do Rio de Janeiro, juntamente com Emérita, de quem estava
noivo então. A polícia política não estava a nossa procura
naquela manhã/madrugada de 30 de julho de 1964, e sim, de alguns
companheiros, todos dirigentes do PCB.
A
prisão durou cerca de seis meses, tendo sido solto no dia 22 de
dezembro de 1964, por força de “habeas corpus”. Naqueles dias,
esta salvaguarda democrática ainda estava sendo aceita pelo governo
militar do general Castelo Branco. Daí em diante, muita coisa
aconteceu. Nos limites desta entrevista, não daria para detalhar.
Fica a promessa de voltar a este relato que compõe, em verdade, toda
uma história de vida.
Como
ocorreu a sua cassação e a dos dois companheiros Hélio Pitanga e
Mario Santos como vereadores em Cruz das Almas?
Vereador
eleito em outubro de 1962, tive o mandato cassado pela própria
Câmara Municipal que, pressionada pela força repressora, rendeu-se
ao fato de que eu me encontrava “foragido”, sem endereço
conhecido. Em verdade, durante curto período a repressão não
conhecia meu endereço. Até que... Quanto aos saudosos companheiros,
Hélio Pitanga e Mário dos Santos, desconheço como se deu a
cassação de seus mandatos de vereador. Mas presumo que não tenha
sido muito diferente. Vigorava no Brasil um governo discricionário,
comandado por uma cúpula militar que se amparava num complexo
empresarial capitaneado por grandes grupos econômicos
internacionais.
Porque
dizem que o golpe de 64 foi um golpe civil-militar?
Esta
afirmação, que é recente em verdade, eu a considero mais precisa
do que a anterior caracterização, de golpe militar ou de ditadura
militar. Porque, como acima assinalei, os governos de 1964 a 1985, se
caracterizaram por uma estreita aliança política entre restritos
círculos de civis e de militares, sob a hegemonia aberta destes
últimos. Os quais, no essencial, se colocavam a serviço exclusivo
dos interesses do grande capital internacional. Somente no governo
Geisel, e menos claramente no que se lhe seguiu, o do general
Figueiredo, é que começam a se perceber algumas mudanças no padrão
geral da política econômica “entreguista”, submissa aos ditames
do capital oligopólico internacional. Começava-se a praticar, a
princípio timidamente, uma política mais autônoma, baseada num
projeto nacional de “Brasil potência”, na mesma medida em que se
seguia a um processo político autodenominado de “distensão lenta
e gradual”. Começava-se em verdade, sob a batuta dos generais
Geisel e Golbery, uma vasta operação de desmontagem dos aparelhos
clandestinos de repressão, os quais compunham o que se chamou, a meu
ver acertadamente, “o Estado dentro Estado”.
O
principal argumento usado pelos militares que executaram o golpe era
o de que João Goulart implantaria o comunismo. Jango, um
latifundiário, realmente teria organizado um golpe comunista? Se ele
não tivesse feito, algum movimento de esquerda teria conseguido?
O
fantasma do comunismo, que em verdade, como o sabemos, espreitava a
velha Europa desde o século dezenove, serviu de pretexto e álibi,
não só aos militares, mas a toda a movimentação civil, de
natureza tipicamente fascista, que planejou e executou o golpe de
Estado de 1964. Quanto ao Jango, já na própria pergunta chamado
acertadamente de “latifundiário”, jamais organizaria golpe
algum, muito menos, um levante comunista! ...Estou seguro hoje, por
outro lado, de que nenhum movimento ou partido de esquerda, em 1964,
teria condições, isoladamente, de organizar e liderar, de modo
vitorioso, nenhum processo de levante político libertário.
O
que você acha deste momento em que se buscam as verdades dos
acontecimentos do período da ditadura?
Agora
vamos ao momento atual. Muito rico, eu o considero. Rico de
possibilidades, mas também cheio de riscos. Não riscos de
retrocessos políticos, em sentido estrito, mas de desdobramentos
imprevistos. Isto porque, na mesma medida em que se inicia a busca
pelas “verdades dos acontecimentos do período da ditadura”, têm
continuidade políticas populistas de atrelamento e subordinação
dos movimentos sociais e, sobretudo, de cooptação de lideranças
nascidas no movimento sindical dos trabalhadores.
Mas
a “queda de braço” está em marcha, como um barquinho que se vê
lançado em mar aberto... Neste mar aberto, é urgente que as
“comissões da verdade” levem adiante o seu trabalho; que os
movimentos sociais, gestados por fora dos aparelhos de Estado, possam
ganhar corpo, com musculatura vigorosa e lideranças articuladas; que
as oposições sindicais e os sindicatos combativos se fortaleçam e
se unifiquem, em nível nacional e internacional...E mais: que “este
mar d’almas e peitos”, como o disse o poeta abolicionista
radical, esteja atento e vigilante quanto ao estágio em que ficou,
da “Nova República” até aos dias que correm, aquele processo de
desmantelamento do Estado dentro do Estado”.
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