DEPOIS DO DIA NACIONAL DE LUTA DE 22 DE MARÇO
Nem
tímido, nem efusivo, o Dia Nacional de Mobilização contra a
reforma da previdência, 22 de março, foi um pontapé inicial na
luta por impedir que as mudanças no sistema previdenciário
ampliassem mais ainda a pobreza existente no Brasil. Contou com
manifestações em todo o país. Mobilizou de variadas formas
inúmeras categorias, com um dia de paralisação, com atraso no
início de turno e outras formas de protesto. Revelou que é possível
barrar as tentativas de eliminação dos direitos adquiridos pelos
trabalhadores. A articulação da reforma transitou em crise.
Disputas palacianas sinalizam que o projeto original já está
prejudicado. Neste momento há desavenças entre Moro x Maia,
Supremo Tribunal Federal x Senado (Lava Toga), Mourão x Olavo de
Carvalho e Militares x Paulo Guedes (sobre Previdência). Em outra
esfera, a dos costumes, o ministério sob a direção de Damares
Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) não possui força
política e, por outro lado, a crise que atinge o Ministério da
Educação é de tal ordem que se encontra paralisado.
Os
elementos de decomposição do capitalismo são evidentes: estão nas
calçadas dos principais centros urbanos do mundo, na miséria
cotidiana das famílias, na ausência de perspectivas da juventude. E
numa série de outros dados, desde o dia a dia de luta pela
sobrevivência até as artes. A pressão das forças produtivas que
avançam para cada vez mais ofertar produtividade ao capital se choca
com a apropriação privada dos recursos da força de trabalho e da
natureza. Daí o crescente número de catástrofes que atingem
diretamente os trabalhadores e o meio ambiente. A necessidade de
destruição de riquezas é um imperativo do metabolismo capitalista.
A instabilidade que ora lesiona a economia capitalista se arrasta
desde 2008. Os marcos da regressão política e ideológica, porém,
datam de 1989 com a queda do muro de Berlim.
Na
atual conjuntura internacional, chama a atenção a instabilidade
política em bastiões do imperialismo. Nos Estados Unidos da América
o governo de Trump com a caricata proposta de construir um muro entre
eles e o México bloqueia o orçamento federal e desacelera a
economia. Na França cidadãos trajando coletes amarelos desfizeram
por completo as enormes expectativas de que Emanuel Macron pudesse
responder aos impasses de um país em crise econômica e de
identidade. No Reino Unido a vitória do Brexit (autoexclusão da
União Europeia) sacodiu de tal forma a elite empresarial que neste
momento o governo de Tereza May literalmente não sabe o que fazer.
Ou seja, como sair da União Europeia sem ocasionar prejuízos
econômicos se só o setor financeiro ameaça transferir do reino
Unido um trilhão de libras em ativos.
O
ponto fora da curva é a Venezuela. Sem conferir ao governo de
Nicolas Maduro nenhuma simpatia, mas em defesa da soberania do país,
o fracasso do dia “D”, um sábado (23.02.2019) planejado para
derrubá-lo do poder, obrigou a um recuo, ao menos temporário em
promover um conflito armado na América do Sul. Uma flagrante derrota
de toda a direita na América e uma vitória dos trabalhadores
venezuelanos. Em sua viagem aos EUA (17 a 19 de março de 2019) a
pauta que não obteve o devido destaque na imprensa foi Venezuela.
Dois dias depois (21.03.2019) embarcou para o Chile para reunião de
cúpula com os chefes de Estado do
Chile,
Equador, Argentina, Colômbia, Paraguai, Peru e Guiana. Embora sua
declaração final afastasse a possibilidade de intervenção armada
na Venezuela, trata-se de uma mentira. O objetivo a ser alcançado é
o de derrubar Maduro. No entanto, a verdadeira força de dissuasão
foi a chegada de tropas e armas do governo russo, além dos 4500
homens de elite do exército cubano. O que pode intimidar uma
aventura bélica na América do Sul.
No
Brasil a conjuntura ainda está marcada pelo fato de que
invariavelmente as eleições são burguesas e se colocam sob seu
absoluto controle. A prisão de Lula esteve a serviço de forjar a
vitória de qualquer outro candidato que não fosse ele. A acentuada
crise econômica associada ao desgoverno Temer e ao poderoso aparelho
petista/cutista garantiram a ascensão de Fernando Haddad em
substituição a Lula. Mesmo com todo o impacto midiático do
atentado a Bolsonaro, Haddad ameaçou a vitória da direita. Pesaram
contra o PT os treze anos de gestão em que o eixo foi tentar
conciliar os interesses dos trabalhadores com os interesses
patronais.
Passadas
as eleições gerais, os factoides das redes sociais continuaram e
impulsionam a cada postagem a elevação da tensão política. Em
curso assistimos a um aumento na voltagem de energia que sugere já
se tratar de uma crise política aberta que contesta a permanência
de Bolsonaro na presidência da República. Sucedem articulações
pró Mourão, tanto entre políticos, como entre empresários.
Na
economia as circunstancias também são confusas. A dívida dos
Estados, em particular Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas
Gerais, Goiás e Rio Grande do Norte obrigou os governantes estaduais
a passar o calote no salário de servidores públicos. A reforma da
previdência que promete “poupar” R$ 1 trilhão não convence a
maioria da população que intui se tratar de proposta que
beneficiará as mesmas elites já favorecidas.
A
combinação das reformas trabalhista e sindical visa sufocar
possível resistência dos trabalhadores e segurar no cabresto os
dirigentes sindicais. O recente anúncio de fechamento da fábrica da
Ford no ABC pegou de surpresa os trabalhadores, mas não a burocracia
sindical e os analistas mais críticos da economia mundial. A
montadora comunicou que sua planta de veículos pesados será
transferida para o Estado da Bahia. O volume de incentivo estatal que
a Ford obteve totaliza R$ 13 bilhões, 7,5 do governo baiano e 5,5 do
BNDES. A Bahia é governada desde 2007 pelo PT. O governo de Rui
Costa não foi pego de surpresa porque com certeza as mudanças
industriais da Ford foram negociadas previamente no sentido de
ampliar os benefícios já obtidos. Com fundamento na cor da camisa,
no time em que atua, na bandeira que torce, é que a burocracia
cutista e o aparelho petista, após anos de despolitização dos
trabalhadores, paralisa ações de solidariedade com os metalúrgicos
do ABC e trava ações de defesa do salário e do emprego dos
operários da Ford. Afinal de contas a fábrica vai para a Bahia
governada por Rui Costa, do PT, que poderá contar com apoio da
multinacional para sua reeleição.
Nesse
contexto devemos entender a crise que assola a indústria de
automóveis. Seis elementos se destacam: a) a
utilização de combustível fóssil e seus graves impactos no meio
ambiente; b) o carro elétrico não se constitui em alternativa,
pois possui outras consequências ecológicas, como a ampliação de
usinas termonucleares para fornecimento de energia elétrica e as
baterias que uma vez consumidas irão gerar um lixo não reciclável;
c) a obsolescência programada que impõe o descarte precoce de
carros; d) o caos e mobilidade urbana anárquica dado o excesso de
veículos em circulação; e) a opção de compartilhamento e f)
valores que não associam automóveis a prestígio e virilidade. A
resposta na Europa a esse quadro ao invés de demissão, como
aceitou a burocracia sindical brasileira, foi a diminuição da
jornada de trabalho. Na Alemanha os metalúrgicos trabalham 28 horas
por semana distribuídos em 4 dias, na França 35, no Reino Unido 37
e na Espanha 38.
Afora
o peso das derrotas de inúmeras lutas sindicais e populares e da
carga pesada do reformismo o que existe de vanguarda deve ser a
dianteira em impulsionar um movimento de resistência. Se a
candidatura de Bolsonaro foi a síntese programática dos interesses
burgueses, uma
campanha “Fora Bolsonaro” será a síntese programática da
derrota desse mesmo programa. Por isso, nos estreitos limites de uma
limitada vanguarda essa palavra de ordem já pode ser ventilada.
Afinada a campanha, rumar para uma greve geral de todos paralisando o
país por um ou mais dias é o caminho da reação política e
organizativa. Sem possuir cem dias de governo a gestão Bolsonaro
ingressa em estágio terminal. Uma campanha nacional que promova seu
desgaste e desmoralização pode rapidamente obter sucesso. Fora
Bolsonaro em defesa da vida e das lutas.
Gustavo
Morelia
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