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DEPOIS DO DIA NACIONAL DE LUTA DE 22 DE MARÇO - BC N.1 Abril 2019

DEPOIS DO DIA NACIONAL DE LUTA DE 22 DE MARÇO
 
Nem tímido, nem efusivo, o Dia Nacional de Mobilização contra a reforma da previdência, 22 de março, foi um pontapé inicial na luta por impedir que as mudanças no sistema previdenciário ampliassem mais ainda a pobreza existente no Brasil. Contou com manifestações em todo o país. Mobilizou de variadas formas inúmeras categorias, com um dia de paralisação, com atraso no início de turno e outras formas de protesto. Revelou que é possível barrar as tentativas de eliminação dos direitos adquiridos pelos trabalhadores. A articulação da reforma transitou em crise. Disputas palacianas sinalizam que o projeto original já está prejudicado. Neste momento há desavenças entre Moro x Maia, Supremo Tribunal Federal x Senado (Lava Toga), Mourão x Olavo de Carvalho e Militares x Paulo Guedes (sobre Previdência). Em outra esfera, a dos costumes, o ministério sob a direção de Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) não possui força política e, por outro lado, a crise que atinge o Ministério da Educação é de tal ordem que se encontra paralisado.

Os elementos de decomposição do capitalismo são evidentes: estão nas calçadas dos principais centros urbanos do mundo, na miséria cotidiana das famílias, na ausência de perspectivas da juventude. E numa série de outros dados, desde o dia a dia de luta pela sobrevivência até as artes. A pressão das forças produtivas que avançam para cada vez mais ofertar produtividade ao capital se choca com a apropriação privada dos recursos da força de trabalho e da natureza. Daí o crescente número de catástrofes que atingem diretamente os trabalhadores e o meio ambiente. A necessidade de destruição de riquezas é um imperativo do metabolismo capitalista. A instabilidade que ora lesiona a economia capitalista se arrasta desde 2008. Os marcos da regressão política e ideológica, porém, datam de 1989 com a queda do muro de Berlim.

Na atual conjuntura internacional, chama a atenção a instabilidade política em bastiões do imperialismo. Nos Estados Unidos da América o governo de Trump com a caricata proposta de construir um muro entre eles e o México bloqueia o orçamento federal e desacelera a economia. Na França cidadãos trajando coletes amarelos desfizeram por completo as enormes expectativas de que Emanuel Macron pudesse responder aos impasses de um país em crise econômica e de identidade. No Reino Unido a vitória do Brexit (autoexclusão da União Europeia) sacodiu de tal forma a elite empresarial que neste momento o governo de Tereza May literalmente não sabe o que fazer. Ou seja, como sair da União Europeia sem ocasionar prejuízos econômicos se só o setor financeiro ameaça transferir do reino Unido um trilhão de libras em ativos.

O ponto fora da curva é a Venezuela. Sem conferir ao governo de Nicolas Maduro nenhuma simpatia, mas em defesa da soberania do país, o fracasso do dia “D”, um sábado (23.02.2019) planejado para derrubá-lo do poder, obrigou a um recuo, ao menos temporário em promover um conflito armado na América do Sul. Uma flagrante derrota de toda a direita na América e uma vitória dos trabalhadores venezuelanos. Em sua viagem aos EUA (17 a 19 de março de 2019) a pauta que não obteve o devido destaque na imprensa foi Venezuela. Dois dias depois (21.03.2019) embarcou para o Chile para reunião de cúpula com os chefes de Estado do


Chile, Equador, Argentina, Colômbia, Paraguai, Peru e Guiana. Embora sua declaração final afastasse a possibilidade de intervenção armada na Venezuela, trata-se de uma mentira. O objetivo a ser alcançado é o de derrubar Maduro. No entanto, a verdadeira força de dissuasão foi a chegada de tropas e armas do governo russo, além dos 4500 homens de elite do exército cubano. O que pode intimidar uma aventura bélica na América do Sul.

No Brasil a conjuntura ainda está marcada pelo fato de que invariavelmente as eleições são burguesas e se colocam sob seu absoluto controle. A prisão de Lula esteve a serviço de forjar a vitória de qualquer outro candidato que não fosse ele. A acentuada crise econômica associada ao desgoverno Temer e ao poderoso aparelho petista/cutista garantiram a ascensão de Fernando Haddad em substituição a Lula. Mesmo com todo o impacto midiático do atentado a Bolsonaro, Haddad ameaçou a vitória da direita. Pesaram contra o PT os treze anos de gestão em que o eixo foi tentar conciliar os interesses dos trabalhadores com os interesses patronais.

Passadas as eleições gerais, os factoides das redes sociais continuaram e impulsionam a cada postagem a elevação da tensão política. Em curso assistimos a um aumento na voltagem de energia que sugere já se tratar de uma crise política aberta que contesta a permanência de Bolsonaro na presidência da República. Sucedem articulações pró Mourão, tanto entre políticos, como entre empresários.

Na economia as circunstancias também são confusas. A dívida dos Estados, em particular Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás e Rio Grande do Norte obrigou os governantes estaduais a passar o calote no salário de servidores públicos. A reforma da previdência que promete “poupar” R$ 1 trilhão não convence a maioria da população que intui se tratar de proposta que beneficiará as mesmas elites já favorecidas.

A combinação das reformas trabalhista e sindical visa sufocar possível resistência dos trabalhadores e segurar no cabresto os dirigentes sindicais. O recente anúncio de fechamento da fábrica da Ford no ABC pegou de surpresa os trabalhadores, mas não a burocracia sindical e os analistas mais críticos da economia mundial. A montadora comunicou que sua planta de veículos pesados será transferida para o Estado da Bahia. O volume de incentivo estatal que a Ford obteve totaliza R$ 13 bilhões, 7,5 do governo baiano e 5,5 do BNDES. A Bahia é governada desde 2007 pelo PT. O governo de Rui Costa não foi pego de surpresa porque com certeza as mudanças industriais da Ford foram negociadas previamente no sentido de ampliar os benefícios já obtidos. Com fundamento na cor da camisa, no time em que atua, na bandeira que torce, é que a burocracia cutista e o aparelho petista, após anos de despolitização dos trabalhadores, paralisa ações de solidariedade com os metalúrgicos do ABC e trava ações de defesa do salário e do emprego dos operários da Ford. Afinal de contas a fábrica vai para a Bahia governada por Rui Costa, do PT, que poderá contar com apoio da multinacional para sua reeleição.

Nesse contexto devemos entender a crise que assola a indústria de automóveis. Seis elementos se destacam: a) a utilização de combustível fóssil e seus graves impactos no meio ambiente; b) o carro elétrico não se constitui em alternativa, pois possui outras consequências ecológicas, como a ampliação de usinas termonucleares para fornecimento de energia elétrica e as baterias que uma vez consumidas irão gerar um lixo não reciclável; c) a obsolescência programada que impõe o descarte precoce de carros; d) o caos e mobilidade urbana anárquica dado o excesso de veículos em circulação; e) a opção de compartilhamento e f) valores que não associam automóveis a prestígio e virilidade. A resposta na Europa a esse quadro ao invés de demissão, como aceitou a burocracia sindical brasileira, foi a diminuição da jornada de trabalho. Na Alemanha os metalúrgicos trabalham 28 horas por semana distribuídos em 4 dias, na França 35, no Reino Unido 37 e na Espanha 38.
Afora o peso das derrotas de inúmeras lutas sindicais e populares e da carga pesada do reformismo o que existe de vanguarda deve ser a dianteira em impulsionar um movimento de resistência. Se a candidatura de Bolsonaro foi a síntese programática dos interesses burgueses, uma campanha “Fora Bolsonaro” será a síntese programática da derrota desse mesmo programa. Por isso, nos estreitos limites de uma limitada vanguarda essa palavra de ordem já pode ser ventilada. Afinada a campanha, rumar para uma greve geral de todos paralisando o país por um ou mais dias é o caminho da reação política e organizativa. Sem possuir cem dias de governo a gestão Bolsonaro ingressa em estágio terminal. Uma campanha nacional que promova seu desgaste e desmoralização pode rapidamente obter sucesso. Fora Bolsonaro em defesa da vida e das lutas.


Gustavo Morelia

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