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O FUTURO DA ESQUERDA NO BRASIL | BC N.0 MARÇO DE 2019


O FUTURO DA ESQUERDA NO BRASIL
As perspectivas da esquerda no Brasil não se prendem a algum esclarecimento do “enigma Bolsonaro”, mas a um balanço de quatro décadas de lutas de classe e lutas políticas, marcadas pelo auge, hegemonia e declínio do Partido dos Trabalhadores e de todas as correntes políticas que o tiveram como sua referência principal. A questão da unidade militante contra o fascismo é a primeira tarefa da agenda política. Junto a ela, a superação do empirismo oportunista se coloca como questão de sobrevivência para a esquerda. No governo Bolsonaro, a corporação militar já conta com mais de uma centena de membros em postos de destaque.
Desde junho de 2013, houve um agravamento no processo de criminalização da luta social. Rafael Braga, os 23 processados do Rio de Janeiro, os 18 de São Paulo e outros militantes envolvidos nas lutas de 2013 enfrentam até hoje as consequências da criminalização. A Lei Antiterrorismo (nº 13260/16) proposta e sancionada pela presidente Dilma Rousseff preparou o terreno para os processos de criminalização em curso e que, com a eleição de Bolsonaro, se intensificarão em quantidade e qualidade. A grande massa de dinheiro que lubrifica narcotraficantes, igrejas evangélicas, e outros exemplos da decomposição social e institucional da sociedade capitalista, continua sendo gerada na exploração do trabalho assalariado, com carteira assinada ou não. A reafirmação dessas questões basilares, embora necessária, não resolve nenhuma questão.
O balanço político do PT não pode ser liquidado com a afirmação de que sua política “compensatória” “bateu no teto”, ou seja, ele fez o que pôde e sua política se revelou insuficiente ou inadequada em novas condições sociais. A experiência brasileira se coloca no primeiro plano do balanço político e programático da esquerda internacional, que a acompanhou de modo privilegiado nas últimas décadas (Lula, lembremos, chegou a ser “o líder político mais popular do mundo”).
Em conferência de partidos e organizações de esquerda latino-americanas foi caracterizado que “a ascensão da reação política, sócia do fascismo, desencadeia um período de polarização política. Opera sob a pressão da decomposição capitalista e de uma crise industrial extraordinária. A bancarrota capitalista está realizando seu trabalho implacável de cima e está terminando por romper todos os equilíbrios políticos, econômicos e sociais. Na América Latina, e a nível mundial, abre-se um processo de polarização política, que não terá um caráter retilíneo, por seu próprio caráter convulsivo, mas que exclui toda a possibilidade a uma volta ao status quo anterior. Esta é a explicação pela qual a oposição ao militarismo e ao fascismo com a política da frente democrática e da luta institucional, constitui o obstáculo principal para uma luta vitoriosa para os derrotar.
A política de subordinar a resistência popular aos mecanismos institucionais, ao parlamento, ao judiciário, de esperar até a disputa eleitoral, já provou seu fracasso para impedir a destituição de Dilma Rousseff e a proscrição política de Lula. Esta caracterização vale para toda a América Latina”. Proclamou ser “necessário romper com a integração do movimento operário para combater a desorientação e o desalento” e “impulsionar a deliberação da classe operária, por meio de assembleias e de congressos de delegados eleitos nos sindicatos e nas centrais sindicais, e fazer o mesmo nas escolas e universidades, nos movimentos de trabalhadores sem terra e no movimento de mulheres”, chamando a “uma frente única para lutar pelo desarmamento dos grupos de tarefas e esquadrões da morte, mediante a ação direta e a organização”.
O “Fórum Sindical, Popular e de Juventudes pelos Direitos e Pelas Liberdades Democráticas” foi criado a 23 de outubro de 2018 (entre o primeiro e o segundo turno) em reunião na Apeoesp, em São Paulo. O governo Bolsonaro elevou a outro patamar o nível da corrupção política, com ramificações nas milícias do Rio de Janeiro. O escândalo da irregular movimentação das contas bancárias do filho do presidente, Flavio, foi amplamente ventilado pela grande mídia e abriu uma crise política que não se limitou ao âmbito familiar. Luis Nassif sustentou que os militares não assumiriam o desgaste dos escândalos de corrupção e das simpatias declaradas e prováveis interações dos Bolsonaro com as milícias. O vice-presidente, general Mourão, tomou distância de Bolsonaro nessa e noutras questões, mostrando uma fratura no governo. Mourão deu vazão à pressão do Estado Maior militar, mas, para a base eleitoral e social de Bolsonaro, ele não é o “mito” vencedor em 2018.
O problema central das contas do Brasil é o déficit fiscal, que para o ano de 2019 está estimado em torno de R$ 139 bilhões, uma vez contabilizado o valor estimado do pagamento dos juros, serviços e amortizações da dívida pública, em torno de R$ 1,20 trilhão, que devem ser comparados com os gastos com a educação e a saúde, em torno de R$ 200 bilhões, seis vezes menos, ou 17% do gasto financeiro. A usura financeira questiona as condições de existência da população trabalhadora e da própria nação.
A continuidade desse pagamento só pode ser imposta a ferro e fogo. Sua principal peça é a reforma da Previdência Social que visa destruir o regime previdenciário de repartição. Com a reforma e a introdução do regime de capitalização, a tendência é que os trabalhadores que ganham salários mais elevados e ajudam a sustentar os benefícios daqueles que contribuem menos e que auferem benefícios muito reduzidos, fiquem tentados a sair, migrando para outros regimes ou simplesmente para uma poupança pessoal própria, visando sua manutenção na velhice: segundo Leda Paulani, “é evidente que isso não aconteceria se o propósito da reforma fosse de fato preservar a sustentabilidade do regime de repartição, tornando compulsórias a permanência e as alíquotas mais elevadas, mas, como se percebe, não parece ser este o caso”. Concluindo: “A depender das condições em que será implantado o regime de capitalização, muitos trabalhadores tenderão a abandonar de vez o regime geral hoje predominante”.
A reformulação da esquerda no Brasil só pode ter base num programa contra o programa antioperário e de entrega nacional em curso, e se escora no balanço do PT e seus governos. Destacar o “lulismo” do PT não passa de uma diversão: Lula não teria chegado nem permanecido no governo sem o PT, e o embate político dentro deste nunca pôs em risco sua liderança. O “modelo Lula” foi o de dotar de certa estabilidade e identidade política ao financiamento da “reserva de mão de obra” (exército industrial de reserva) pela população assalariada, com programas sociais que não tocaram o lucro capitalista. O “modelo”, no entanto, levava a marca da precariedade e da condicionalidade, devido à sua dependência de uma situação econômica conjuntural. Os programas sociais focalizados atingiram seu limite em termos de erradicação da miséria absoluta. A natureza capitalista da produção e a crise do capital impuseram um limite à ação paliativa do Estado. Na crise do “modelo”, o Brasil chegou a um ponto de virada de sua trajetória histórica. A crise da política econômica levou a uma monumental crise política, da qual o impeachment de Dilma Roussef e a ascensão da extrema direita foram sua expressão.
Em 2019, a maior cidade do país (São Paulo) começou o ano com a luta dos servidores municipais, em greve desde 4 de fevereiro, após aprovação da Reforma da Previdência municipal, na inusitada data de 26 de dezembro. Após um mês, a paralisação mostrava um nível inédito de unidade na luta entre as diversas categorias da administração pública. Esse é o caminho.

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