O FUTURO DA ESQUERDA NO BRASIL
As
perspectivas da esquerda no Brasil não se prendem a algum
esclarecimento do “enigma Bolsonaro”, mas a um balanço de quatro
décadas de lutas de classe e lutas políticas, marcadas pelo auge,
hegemonia e declínio do Partido dos Trabalhadores e de todas as
correntes políticas que o tiveram como sua referência principal. A
questão da unidade militante contra o fascismo é a primeira tarefa
da agenda política. Junto a ela, a superação do empirismo
oportunista se coloca como questão de sobrevivência para a
esquerda. No governo Bolsonaro, a corporação militar já conta com
mais de uma centena de membros em postos de destaque.
Desde
junho de 2013, houve um agravamento no processo de criminalização
da luta social. Rafael Braga, os 23 processados do Rio de Janeiro, os
18 de São Paulo e outros militantes envolvidos nas lutas de 2013
enfrentam até hoje as consequências da criminalização. A Lei
Antiterrorismo (nº 13260/16) proposta e sancionada pela presidente
Dilma Rousseff preparou o terreno para os processos de criminalização
em curso e que, com a eleição de Bolsonaro, se intensificarão em
quantidade e qualidade. A grande massa de dinheiro que lubrifica
narcotraficantes, igrejas evangélicas, e outros exemplos da
decomposição social e institucional da sociedade capitalista,
continua sendo gerada na exploração do trabalho assalariado, com
carteira assinada ou não. A reafirmação dessas questões
basilares, embora necessária, não resolve nenhuma questão.
O
balanço político do PT não pode ser liquidado com a afirmação de
que sua política “compensatória” “bateu no teto”, ou seja,
ele fez o que pôde e sua política se revelou insuficiente ou
inadequada em novas condições sociais. A experiência brasileira se
coloca no primeiro plano do balanço político e programático da
esquerda internacional, que a acompanhou de modo privilegiado nas
últimas décadas (Lula, lembremos, chegou a ser “o líder político
mais popular do mundo”).
Em
conferência de partidos e organizações de esquerda
latino-americanas foi caracterizado que “a ascensão da reação
política, sócia do fascismo, desencadeia um período de polarização
política. Opera sob a pressão da decomposição capitalista e de
uma crise industrial extraordinária. A bancarrota capitalista está
realizando seu trabalho implacável de cima e está terminando por
romper todos os equilíbrios políticos, econômicos e sociais. Na
América Latina, e a nível mundial, abre-se um processo de
polarização política, que não terá um caráter retilíneo, por
seu próprio caráter convulsivo, mas que exclui toda a possibilidade
a uma volta ao status quo anterior. Esta é a explicação pela qual
a oposição ao militarismo e ao fascismo com a política da frente
democrática e da luta institucional, constitui o obstáculo
principal para uma luta vitoriosa para os derrotar.
“A
política de subordinar a resistência popular aos mecanismos
institucionais, ao parlamento, ao judiciário, de esperar até a
disputa eleitoral, já provou seu fracasso para impedir a destituição
de Dilma Rousseff e a proscrição política de Lula. Esta
caracterização vale para toda a América Latina”. Proclamou ser
“necessário romper com a integração do movimento operário para
combater a desorientação e o desalento” e “impulsionar a
deliberação da classe operária, por meio de assembleias e de
congressos de delegados eleitos nos sindicatos e nas centrais
sindicais, e fazer o mesmo nas escolas e universidades, nos
movimentos de trabalhadores sem terra e no movimento de mulheres”,
chamando a “uma frente única para lutar pelo desarmamento dos
grupos de tarefas e esquadrões da morte, mediante a ação direta e
a organização”.
O
“Fórum Sindical, Popular e de Juventudes pelos Direitos e Pelas
Liberdades Democráticas” foi criado a 23 de outubro de 2018 (entre
o primeiro e o segundo turno) em reunião na Apeoesp, em São Paulo.
O governo Bolsonaro elevou a outro patamar o nível da corrupção
política, com ramificações nas milícias do Rio de Janeiro. O
escândalo da irregular movimentação das contas bancárias do filho
do presidente, Flavio, foi amplamente ventilado pela grande mídia e
abriu uma crise política que não se limitou ao âmbito familiar.
Luis Nassif sustentou que os militares não assumiriam o desgaste dos
escândalos de corrupção e das simpatias declaradas e prováveis
interações dos Bolsonaro com as milícias. O vice-presidente,
general Mourão, tomou distância de Bolsonaro nessa e noutras
questões, mostrando uma fratura no governo. Mourão deu vazão à
pressão do Estado Maior militar, mas, para a base eleitoral e social
de Bolsonaro, ele não é o “mito” vencedor em 2018.
O
problema central das contas do Brasil é o déficit fiscal, que para
o ano de 2019 está estimado em torno de R$ 139 bilhões, uma vez
contabilizado o valor estimado do pagamento dos juros, serviços e
amortizações da dívida pública, em torno de R$ 1,20 trilhão, que
devem ser comparados com os gastos com a educação e a saúde, em
torno de R$ 200 bilhões, seis vezes menos, ou 17% do gasto
financeiro. A usura financeira questiona as condições de existência
da população trabalhadora e da própria nação.
A
continuidade desse pagamento só pode ser imposta a ferro e fogo. Sua
principal peça é a reforma da Previdência Social que visa destruir
o regime previdenciário de repartição. Com a reforma e a
introdução do regime de capitalização, a tendência é que os
trabalhadores que ganham salários mais elevados e ajudam a sustentar
os benefícios daqueles que contribuem menos e que auferem benefícios
muito reduzidos, fiquem tentados a sair, migrando para outros regimes
ou simplesmente para uma poupança pessoal própria, visando sua
manutenção na velhice: segundo Leda Paulani, “é evidente que
isso não aconteceria se o propósito da reforma fosse de fato
preservar a sustentabilidade do regime de repartição, tornando
compulsórias a permanência e as alíquotas mais elevadas, mas, como
se percebe, não parece ser este o caso”. Concluindo: “A depender
das condições em que será implantado o regime de capitalização,
muitos trabalhadores tenderão a abandonar de vez o regime geral hoje
predominante”.
A
reformulação da esquerda no Brasil só pode ter base num programa
contra o programa antioperário e de entrega nacional em curso, e se
escora no balanço do PT e seus governos. Destacar o “lulismo” do
PT não passa de uma diversão: Lula não teria chegado nem
permanecido no governo sem o PT, e o embate político dentro deste
nunca pôs em risco sua liderança. O “modelo Lula” foi o de
dotar de certa estabilidade e identidade política ao financiamento
da “reserva de mão de obra” (exército industrial de reserva)
pela população assalariada, com programas sociais que não tocaram
o lucro capitalista. O “modelo”, no entanto, levava a marca da
precariedade e da condicionalidade, devido à sua dependência de uma
situação econômica conjuntural. Os programas sociais focalizados
atingiram seu limite em termos de erradicação da miséria absoluta.
A natureza capitalista da produção e a crise do capital impuseram
um limite à ação paliativa do Estado. Na crise do “modelo”, o
Brasil chegou a um ponto de virada de sua trajetória histórica. A
crise da política econômica levou a uma monumental crise política,
da qual o impeachment de Dilma Roussef e a ascensão da extrema
direita foram sua expressão.
Em
2019, a maior cidade do país (São Paulo) começou o ano com a luta
dos servidores municipais, em greve desde 4 de fevereiro, após
aprovação da Reforma da Previdência municipal, na inusitada data
de 26 de dezembro. Após um mês, a paralisação mostrava um nível
inédito de unidade na luta entre as diversas categorias da
administração pública. Esse é o caminho.
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